terça-feira, 7 de abril de 2009

Matematização do Mundo

" Segura de si, a autoridade não necessita de, a cada instante, fazer o discurso sobre sua existência, sobre si mesma. Não precisa perguntar a ninguém, certa de sua legitimidade, se "sabe com quem está falando?". Segura de si, ela é porque tem autoridade, porque a exerce com indiscutível sabedoria "

FREIRE, Paulo (Pedagogia da Autonomia)

Para analisar as consequências da matematização nas relações sociais, na ciência e na construção do saber em instituições como a escola e a família, é preciso questionar o conceito de conceito, a função, origem e produção do método utilizado, a fabricação da verdade enquanto instrumento político de intervenção na vida dos cidadãos. O conceito é uma ferramenta de análise, classificação e delimitação de um fenômeno. A metodologia que o pesquisador utiliza não é neutra, tampouco escolhida acidentalmente.

Se falo algo, falo partindo de um pressuposto, tenho que constantemente exercer vigilância epistemológica para que as outras pessoas consigam compreender. Por isso é necessário levar em conta quem é "você", o que deseja, como se veste, o que lê, relações de gênero, como se posiciona politicamente entre outros aspectos que fundamentam um indivíduo.

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O método científico, é um poderoso meio para impor uma verdade sem que ela pareça uma opinião individual, mas um consenso da comunidade científica descoberto no cotidiano. Isso está impregnado no discurso pedagógico e, consequentemente, na política.

A racionalização que lidamos diariamente ao acordarmos para trabalhar, na hora do almoço, do jantar, quando temos que dormir, ou fazer algum tipo de planejamento, é tão implacável na disseminação das informações como num filme de Godard, onde a beleza estética, o rigor de cada frase é tamanha, que produz um charme irresistível ao espectador contemplativo.

A segurança que o cotidiano proporciona - com seus hábitos naturalizados nos mais variados campos - e a rotina mecânica, são tão fortes que nos amortece a vontade de pensar sobre os fenômenos que nos cercam. Como culpar os cidadãos por aceitarem tão passivamente a maior parte do que é dito pela mídia e governo? É uma injustiça e imoralidade no país que vivemos, sobre tais condições que somos submetidos, atacar aqueles que se afastam do pensamento crítico e subversivo.

A população atualmente exige o mínimo para viver com dignidade; trabalha e cumpre o seu papel democrático quando é feita a convocação. Delegamos poder a pessoas que "detêm a razão" para julgar assuntos que são do nosso interesse, mas que por questões de ordem e tempo permitimos que decidam por nós o que vai nos beneficiar, representar e satisfazer as demandas materiais e sociais.

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Outro fator relevante na discussão do saber racional é a produção de segregacionismo ideológico na sociedade moderna, tendo em vista que essa matriz racionalista que apresentarei a seguir faz parte de um império global.

Caso exista algum indivíduo que não tente pensar dentro da lógica matemática para organizar sua vida em passado, presente, futuro, cedo ou tarde, bom ou mau, certo ou errado, dia ou noite, triste ou feliz, louco ou normal, estaria fadado a não compreender o mundo de forma binária, em sistemas fechados e abertos. E, por conseguinte, a grande parte da população também não lhe compreenderia. Criamos um monstro tão grande e opressor que não vemos nada além dele.

Chegamos ao ponto de considerar que a razão é imanente ao ser humano. E não uma construção socio-político-cultural. A natureza humana feita em laboratório, difundida nas universidades e entregue diretamente em nossas casas através da televisão. Dessa forma, é coerente afirmar que somos iguais, independente de cor, religião, e nacionalidade. Qualquer semrazão que acidentalmente encontrássemos pela rua seria tratado como Gregor Samsa. O diferente fere a nossa segurança ontológica. É cruel constatar que somos os assassinos da diversidade porque naturalizamos uma verdade, um sistema, um método para apreender o mundo. Heidegger (1889-1976) dizia que a morte é a ausência de possibilidades.

Que tipo de civilização está sendo construída quando somos motivados (de maneira velada) a um conformismo político e filosófico? Infelizmente poucos têm acesso ao ócio necessário para refletir sobre sua própria existência. Entretanto, Max Stirner (1806- 1856) acreditava na possibilidade de “libertar o ser humano da servidão aos fantasmas criados por ele próprio, e às condições sociais”. O problema é que o fantasma, aqui entendido como convicção, está enraizado na cultura e na educação desde a infância.

A formação é descartada para dar lugar a uma pedagogia da informação, a construção do saber é deixada de lado sendo posteriormente substituída pela reprodução de velhas fórmulas para vivermos em harmonia com as instituições que nos darão recompensas por cada manifestação de bom comportamento: Salvação divina, ascensão social e financeira, portanto, sucesso e reconhecimento. A matematização do cotidiano é fundamental para o ser humano controlar o mundo que habita. Alheios a essa lógica de organização psico-socio-cultural perdemos nossa identidade. É como se não existíssemos.

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O positivismo elaborou um sistema ideológico que considerava os fatos verdadeiros em si mesmos. Dessa forma, os fatos informam o que são e o indivíduo está sujeito apenas a receber o conhecimento pronto, em outras palavras, é preciso apenas coletar informações puras que necessitam ser "descobertas". É interessante - neste caso - lembrar a máxima nietzschiana “Não existem fatos morais, apenas interpretações morais dos fatos”. Ocorre que o positivismo retira do homem a responsabilidade da produção do saber.

Hoje julgamos que até o instrumento de análise é parte integrante do conhecimento obtido em campo. Diferentes instrumentos e pesquisadores (com outras metodologias) produzem questionários diversos, o que aumenta a complexidade quali-quantitativa da pesquisa em Ciências Sociais.