quarta-feira, 18 de junho de 2008

Violence! Violence! Violence!

Vesti meu casaco mais quente, tranquei a porta, senti vontade de permanecer mais um pouco dentro de casa, porém, tive consciência das minhas prioridades e fui para a universidade, lendo meus pensamentos, fumei um cigarro no caminho.

Em decorrência daquele frio monstruoso, cheguei até a lanchonete mais rápido do que de costume, entretanto, o rigor do clima foi superior a minha tentativa de fuga. Paguei o café e fui sentar em um banco que ficava afastado de onde as outras pessoas estavam comendo e falando coisas que daquela distância eu não compreendia.

Apenas uma luz fraca de cor amarela iluminava o local. Na minha frente havia outro banco, desocupado. Acendi outro cigarro. O café estava pelando, o que me obrigou a tomá-lo lentamente.
***
Olhei pra direita, vi uma creche e uma mãe que provavelmente esperava impaciente o professor trazer seu filho. Percebi irritação em seu rosto marcado pelo tempo. Eu permaneci atraído por aquela situação, não sabia porque. Seu filho finalmente chegou, e lhe fez alguns pedidos em voz alta, mesmo assim não ouvi quais eram suas demandas. A mãe abaixou-se um pouco, apertou-lhe uma das orelhas e em exclamou que se caso ele não parasse de reclamar, ficaria de castigo e sem jantar. A criança engoliu o choro e se calou.

Concomitantemente, uma moça bem vestida, estatura mediana, com seios fartos e pernas bem desenhadas, sentou-se no banco a minha frente. Disse, de repente, que queria fumar sem atrapalhar as outras pessoas que estavam ali por perto. Reservei-me ao direito de continuar calado. De repente ela começou a chorar, com as duas mãos tampando os ouvidos, e gaguejou alguma coisa sobre a vida ser injusta. Só compreendi melhor o que dizia quando se acalmou e começou a me pedir desculpa e dizer que eu nada tinha a ver com o seu trabalho e sua família. Realmente, dei de ombros, e disse que estava tudo bem.

Minutos depois a moça não estava mais ali, e eu já havia terminado o meu café. Mesmo com sua ausência, acendi mais um cigarro, apenas para me fazer companhia enquanto eu observava atentamente um rapaz que estava de pé, a poucos metros de mim. Ele andava de um lado para o outro, numa parte mais iluminada e notei que era tão jovem quanto eu, alto, tinha um rosto angelical, quase andrógino e um cabelo loiro, daqueles que você pode identificar a quilômetros.
Disse a mim mesmo que talvez o seu desconforto fosse por causas amorosas, infelizmente tive razão. Uma jovem e um Homem - mais velho - viraram a esquina de mãos dadas na mesma hora que o rapaz. Estava feito, era horror que melhor definia sua expressão. Ele foi ao encontro dos dois com cara de bravo, coloquei a mão na testa, joguei fora o cigarro. O que está acontecendo aqui?! Alguns segundos de silêncio até a resposta da garota, que pelo o que percebi, era sua namorada. "Olha, Paulo, a gente não tem nada para conversar, vai pra casa, eu não quero te ouvir, nem te ver." O casal seguiu em frente. Paulo olhou paro o céu negro, procurou estrelas, deus, motivos, lembranças, força e alguma coragem. Baixou a cabeça, e foi embora calado.
***
Depois disso tudo, acendi finalmente meu último cigarro. Senti a absurdidade de cada situação, a violência em plena forma aliada a incompreensão. Que educação é essa? Que pedagogia nos foi aplicada? Existe um método genealógico para procurar as razões de tanta violência, passividade, conformismo, no cotidiano Humano? Creio que sim.

Detenho-me apenas no comportamento da mãe com seu filho. Essa atitude de inibir a criança de reclamar, expor suas angústias e vontades, é uma forma de boicotar o espírito livre que vive dentro de nós. Também serve como produtor de traumas e punições para aquele que tenta revoltar-se contra o absurdo da condição que nos é imposto. Crescemos, nos tornamos Homens, "animais políticos", e perdemos, aos poucos, a capacidade de criticamos as várias formas de atuação da violência simbólica, essas micro ações que ferem não a pele, mas a dignidade do Ser.
Nossa cultura é um grande CALA A BOCA. Somos crianças grandes, respeitando nosso grande pai presidente, nosso grande pai constituição, nosso grande pai deus. Não vejo uma educação que crie espíritos revoltados, contestadores, conscientes da própria responsabilidade de cidadãos. As angústias não serão ouvidas, reclamações dizem respeito apenas a ti, e teu destino está condenado por causa dessa sagrada pedagogia medíocre!
Edvard Munch - O Grito (óleo sobre tela, 1893)

6 comentários:

Fernanda disse...

"o seu pior inimigo é você"

eu odeio observar outras pessoas porque pra mim, torna-se um ciclo vicioso e cheio de por quês.
Hoje por exemplo eu esperando o ônibus na praia observava vários idosos sentados olhando pro mar.
em primeiro lugar...porque idosos acordam tão cedo?
segundo: num frio daqueles pra que sentar a beira mar, onde é MAIS frio ainda?
terceiro: porque olhar o mar acalma não só os idosos?
está vendo? observar ME enlouquece...
uehuehueheuheuheuhe
enlouquece de uma forma saudável..eu acho!

e seu texto me deixou com vontade de fumar.
ueheuheuehueh

Anônimo disse...

É quantos de nós não estivemos na situação do menino, e quantos agora não estão na situação da mãe, todos uma ou outra vez foram reprimiddos e agora reprimem dando continuidade a esse circúlo vicioso de seres que não expõem suas idéias e sentimentos.

PS:Texto maravilhoso meu amigo, maravilhoso!!

Anônimo disse...

A maioria das pessoas não questiona a violência dos outros pois eles mesmos são veiculadores da mesma violência.

É um ciclo vicioso que não acaba pois sempre tem alguém esperando outra pessoa parar.

E é com essa desapropriação de responsabilidade que o mundo vai caminhando pro que conhecemos hoje.

Diego Augusto disse...

Sad but true.
Temos momentos de "Mãe" e de "Criança", em relação ao comportamento pacifico e violento.

Anônimo disse...

Fatídico, preciso e intragável é o tempo que deixamos passar. As coisas que deixamos de fazer. A solidão que nos consome e não nos abandona (paradoxo).

"And when the broken hearted people
Living in the world agree,
There will be an answer, let it be."

"Quem é o inimigo?
Quem é você?
Nos defendemos tanto tanto sem saber
Porque lutar..."


Let it be...

Deborah O'Lins de Barros disse...

brilhante!