segunda-feira, 7 de julho de 2008

Plantão Morte 24hr


"Não há morte natural: nada do que acontece ao homem jamais é natural, pois sua presença questiona o mundo. Todos os homens são mortais: mas para cada homem sua morte é um acidente e, mesmo que ele conheça e a consinta, uma violência indevida" Simone de Beauvoir (Uma morte muito suave)

A morte para um policial é tão comum quanto o som do seu revolver. O médico certamente é mais que uma profissão; é acima de tudo um ser íntimo da morte. Existem diversos filósofos como Kierkegaard, Camus, Heidegger, que tratam com grande complexidade esse tema. Não são poucos os leitores que tentam encontrar nos mais variados campos do saber a compreensão deste assunto tão inquietante.

A pergunta que me perturba é: Será que para algum indivíduo que tem contato com a morte consegue se acostumar ao ponto de desenvolver uma consciência carpe diem radical? Duvido. O soldado mata por temer ser morto; o cristão cumpre com ardor sua doutrina desejando prolongar o máximo possível o dia que terá sua recompensa no paraíso; o crítico que debruçasse a pensar sobre o absurdo, questiona-se, escreve dezenas de obras sobre o mesmo tema, e não se suicida.

Porque falamos tanto de algo que é o avesso do ser? Ora, a morte é o não-ser em si. Parece-me óbvio que justamente por isso é que a morte é tão atraente. Ela é esperança, liberdade, ou melhor: Esse ato-final, a morte, é efetivamente o ultrapassar da barreira do finito.

Simone de Beauvoir, no livro Uma Morte Muito Suave, narra as últimas semanas de vida da sua velha mãe. Françoise de Beauvoir, viveu em uma França ultra conservadora na metade do século XX. Como nessa época o gozo existencial era muito mais e melhor aproveitado pelos homens que legitimavam sua liberdade, desrespeito, violência, e promiscuidade, por meio da tradição de gênero; essa mulher viveu pouco.

Até se casar, tinha trinta e cinco anos, pronta para expressar em plenitude a sua sexualidade, e vitalidade ao lado de um parceiro. O problema é que esse marido construiu para ela uma gaiola matrimonial, uma vitrine, pura manutenção de status social. Ele, passando os melhores anos nos cabarés, e ela presa em casa, a espera de alguma coisa além da formalidade superficial que o cotidiano robótico impõe a todos nós.

Com a morte de seu marido, Françoise volta a viver. Impressionante como pode existir tanto poder e verdade nessa afirmação. Aos cinquenta e poucos anos estava "livre" para receber as primeiras dores nas costas, doenças rotineiras e todo tipo de injustiça fisiológica que o ser humano depois de determinada idade tem que sofrer. Ela não se rendeu e, com fé inabalável arrumou diversas formas de ocupar a sua vida para afastar-se de pensamentos fatalistas.

Num dia como outro qualquer ela sofreu um acidente dentro de sua casa e, após ser internada num hospital, seus amigos e familiares acompanharam seus últimos dias. Cedo ou tarde, o dia de partir chegará. Mas até lá vamos flertar com o acaso, debochar da morte, puxar o saco da vida, bailar a felicidade de olhos fechados pra tristeza.

2 comentários:

Anônimo disse...

Morte, assunto difícil de lidar no dia a dia, e incrívelmente inspirador para músicos, escritores, pintores...
Esta presente em tudo se observarmos bem, o que comemos já esteve vivo antes de chegar a nossa mesa, o tempo todo alguém em algum lugar morre pelos mais variados motivos, nós mesmos estamos matando o planeta em que vivemos a cada instante. Muita coisa morre no decorrer de nossas vidas, morrem idéias, sonhos, sentimentos, nós mesmos morremos não fisicamente algumas vezes para (re)nascermos melhores de alguma forma...Uma parte que achei interessante:" Um cristão cumpre com ardor sua doutrina desejando prolongar o máximo possível o dia que terá sua recompensa no paraíso" meu pai disse esses dias "todo mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer" tive que concordar.
Mas a melhor foi:
"Um dia nosso dia vai chegar, mas até lá vamos flertando com o acaso, debochando da morte, puxando o saco da vida, bailando sobre a tristeza."
Fechou com chave de ouro o texto.Parabéns!

Ani Cristina Bariquello disse...

Há muito tempo observo que os jovens tratam sobre a morte com maior facilidade. As pessoas mais velhas, depois de terem vivido muitos anos, conhecido diversas coisas, ao contrário do que deveria ser – reconhecer a morte como um fato, e encará-la com naturalidade, pois já viveram tudo quando foi possível a eles ter vivido -, quando percebem que a morte se aproxima tratam-na com pavor, receio. Daí sua citação inicial e sua conclusão: “morte é o não-ser em si”, perfeito.
A idéia de morte como fim da existência originou e/ou está ligada a diversos mitos: céu, inferno, purgatório, reencarnação, alma, vidas pregressas, e crenças como o espiritismos.
Morte é um conceito ainda mais triste para os ateus, é o fim, além da memória não nos resta nada.
Assim como os religiosos não aceitam que não somos apenas um corpo, nós – os céticos - não aceitamos o oposto, além deste corpo, destes membros, destes órgãos, deste cérebro, e das idéias pertinentes a ele, sem eles em mim não há existência, não há nada. Além da memória, que é finita, e dos sentimentos que são questionáveis, fora deste corpo físico depósito metafísico particular do meu ser, repito não há nada.
Sobre seu questionamento inicial, também não acredito que lidem bem com a morte, sua própria morte, profissionais, ou quaisquer outras pessoas que tenham contato freqüente com ela. O que acredito é que para eles a morte alheia se banaliza: não é tão chocante ver um cadáver, uma pessoa morrendo, alguém sofrendo por alguém que morreu, um funeral, um corpo mutilado, matar alguém.
Ler seu texto me fez lembrar de um cena muito linda, obviamente exceção à regra, quando Izzi (personagem de Rachel Weisz), às vésperas de sua morte diz:
- Eu não tenho mais medo.
Às vezes imagino quais serão os sentimentos e pensamentos quando a morte se aproximar: medo, calma, remorso, arrependimento, satisfação, insatisfação, tranqüilidade?
Não sei, mas tudo depende de como for a vida.