quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Rain of pain

"A desordem é o melhor servidor da ordem estabelecida"

Recentemente, ficou complicado pensar ou escrever qualquer coisa que fuja do assunto da semana: a enchente em Santa Catarina.

Há poucos minutos, ouvi no radio o locutor informar o quanto a população da nossa região está sendo solidária com os desabrigados, os que perderam tudo e aqueles que não tinham nada. Além disso, caminhões com mantimentos de todo tipo não param de chegar vindos de outros estados próximos ao nosso. Bonito. Não é comovente como as pessoas são doces e prestativas quando se deparam com o drama alheio maior que o próprio? Agora todos se amam independente de crença, raça, ou orientação sexual. É o natal antecipado na terra da magia, no vale do Itajaí. Eu me pergunto porque, geralmente, em épocas de tragédia a população expressa esse sentimento de coletividade, misto de compaixão com dever público. Principais virtudes de um cidadão ideal.

A miséria e todo tipo de humilhação que muitas pessoas desabrigadas estão passando agora não é novidade. A chuva, e o que ela trouxe consigo, foi uma forma de evidenciar a situação caótica que grande parte da população brasileira enfrenta diariamente. Nos acostumamos com a pobreza dos outros, banalizamos o mal, traduzimos todo tipo de enfermidade social como 'gente vagabunda', 'bando de acomodados', 'marginais', e daí por diante. A TV transmitiu que um grupo de empresários reuniu-se pra criar um fundo que arrecadou cem mil reais para socorrer os necessitados. O idealizador desse ato de bondade afirmou que "é muito pouco para nós, porém, temos a certeza que essa parte dos nossos lucros que estamos doando ajudará muito essas pessoas que nem conhecemos".

Ontem fui à universidade e vi uma senhora trazer alguns pacotes de arroz e farinha. Ela entregou para um dos voluntário que estava encarregado de receber e guardar esses mantimentos. De repente, o meu sorriso - e o dele - tiveram o mesmo fim inesperado. Ela perguntou ao rapaz aonde deveria assinar seu nome. Assinar o que? Perguntou ele, confuso. "Para saberem que eu doei". Bondade, egoísmo, tragédia, reconhecimento, sensacionalismo. Humano demasiado humano.

2 comentários:

Anônimo disse...

Concordo com o que você diz, de repente parece que todos nunca tiveram qualquer diferença e reúnem-se para ajudar os desabrigados.
Existem vários pontos aí, existe quem realmente ajuda para obter reconhecimento, é inevitável, para mim, isso não retira o mérito da solidariedade de tantos, ou do resultado do ato, que é o auxílio aos que precisam neste momento.
Acho que uma das razões de haver tanta mobilização é a repercussão dessa obsessão que a mídia tem de transmitir tragédias, desta vez foi conveniente. Existem os “poréms”, ontem minha mãe que mora em outro estado disse-me que eles não mencionam que parou de chover, as pessoas ficaram sabendo do que ocorreu mas a informação foi incompleta, porque logo eles encontram outra tragédia mais interessante para transmitir.
Aos meus ouvidos, em alguns momentos, toda essa solidariedade soa como hipocrisia, porque como você mesmo disse, agora ninguém mais é marginal, ninguém mais é ateu, homossexual, ninguém mais é pobre, são todos apenas: coitados.
Como o momento ainda é de sensibilização fecho meus olhos ao passado e penso: pelo menos quem precisa está sendo ajudado.

Anônimo disse...

É, fiquei um pouco assustada com a situação.
Ainda mais, que tinha planos de ir pra SC em breve.
É difícil ainda classificar quem precisa mais, quem perdeu mais. Como já diria Sartre, "Quando os ricos fazem a guerra, são sempre os pobres que morrem".