quarta-feira, 9 de abril de 2008

O começo de Rafael Murrow, Parte II

O Abraço
"Porque sou do tamanho daquilo que vejo, e não do tamanho da minha altura." -- Fernando Pessoa
Lembro-me bem do dia em que fez sentido aquele conceito de super-homem do velho Nietzsche, os sobre-humanos, aqueles que estão acima da massa. Essa espécie de Homem cria seus próprios valores a partir de um sagrado ‘Eu quero!’ e todo aquele sentimento de rebanho, o respeito, o ressentimento e hipocrisia some da alma para sempre e no lugar fica apenas a arte, ou seja, o ser que tem consciência de si, que conhece a si mesmo e exerce no mundo um papel contestador e único, porém há poucos que não seguem o padrão das opiniões da maioria. Chovia muito e eu tinha acabado de chegar em casa todo fodido por ter apanhado daqueles tiras covardes que adoram bater pra matar, só que eles se garantem quando são maioria, nunca se baseiam na justiça dos Homens. Foi uma manifestação contra aquele maldito presidente americano que eu nem gosto de repetir o nome, prefiro chama-lo de porco-capitalista. Mais de cinquenta mil pessoas fecharam as ruas de Copacabana para protestar a chegada daquele infeliz na terra dos colonizados; Eu era um daqueles jovens que tinham como escudo o próprio peito e única arma a verdade esquerdista que até hoje me mantém de alguma forma vivo, gritando sem parar num mundo surdo e cativo. No meio daquela multidão eu senti que alguém me observava, e não foi a primeira vez que tive aquela sensação perturbadora. Não era como uma mulata peituda de boca carnuda te encarando, era assustador e eu sentia um frio súbito acompanhado de um heroísmo fora do normal, àqueles olhos fossem de quem fosse me davam motivação e fôlego para continuar. Quando estava quase adormecendo de tão esgotado que estava, ouvi um barulho altíssimo vindo da porta de entrada da minha casa. Fui me aproximando com calma de onde veio aquele som, pensei que poderia ser um tira ou algum malaco querendo me ferrar. Estava com a minha Glock no burst, queria acertar a testa do filho da puta com estilo, atiro sempre na cabeça. Nem deu tempo de eu apontar e o safado estava atrás de mim me dizendo para ficar calmo e que toda aquela minha vitalidade e fúria teria um propósito maior. Depois de ser jogado na parede ele me fez algumas perguntas:

- Quer que eu te chame pelo seu nome ou prefere esse seu apelido idiota?
- Vai se foder, cara! Quem você pensa que é ?! Acha que pode bancar o batmam e entrar aqui fazendo perguntas?
Nessa hora ele me deu um tiro na minha coxa esquerda, doeu pra cacete!
- Escuta aqui, Rafael, eu venho te observado há muito tempo e você deve ter percebido isso...
- Ah, claro! Você deve ser um homossexual carente. Olha cara, eu respeito, mas não curto isso não!
- Eu gosto do teu senso de humor, garoto, mas na próxima vez que me interromper eu juro que corto a tua garganta com as minhas próprias unhas antes mesmo de você dizer “ai!”, fala quando eu mandar.
- Tem alguma coisa em você, minha criança, que o faz ser diferente dos que você chama de irmãos, os teus companheiros de protestos, ou aqueles punks fedorentos. Você é especial porque dentro desse coração cheio de ódio e vingança, existe uma tristeza bonita e poética, nós também gostamos disso. Alguns dizem que somos apenas durões briguentos, não é verdade, pelo menos não a verdade completa. Curioso um garoto como você gostar tanto de poesia e se dizer disposto a Amar, é algo raro, eu acho inútil, mas admiro sua audácia.
- Bla, bla, bla, cara, disso tudo eu já sei. Pode parar com essa conversa fiada e me fala logo o que você quer, ou...
- Ou o que filhote? Você mal consegue ficar de pé, quem dirá me atingir...
Após esse falatório todo, o Jean, ou melhor, o meu Senhor, numa velocidade incrível veio até mim, abaixou-se e mordeu meu pescoço de uma forma que eu não podia revidar, mas... Eu não queria lutar contra porque de alguma forma eu sabia que poderia confiar naquele Homem que vestia uma camisa vermelha e sobretudo preto de couro que cheirava sangue. Eu não tinha o conhecimento daquilo que estava ocorrendo, depois de algum tempo ele contou-me os detalhes do que tinha realmente acontecido, os motivos e com o que eu estava lidando, senti a força da eterna juventude pulsar em meu peito. Eu tinha aceitado desde o começo. Sim sempre foi a minha resposta, por mais que eu lutasse contra aquela voz rouca me induzia a acreditar e aceitar o meu destino, estava feito, eu era um deles e não poderia voltar atrás.
Pós-Abraço
“Não sou eu que sou o palhaço, mas sim essa sociedade monstruosamente cínica e tão inconscientemente ingênua, que joga o jogo da seriedade para melhor esconder a sua loucura.” - Salvador Dalí

Nesses quase vinte anos que tive o primeiro contato com meu Senhor, passei por fases de altos e baixos, não foi desde o começo que dei orgulho ao Jean. No início eu era uma criança demasiadamente faminta e impulsiva, as coisas que eu queria tinham que ser conquistadas na hora que eu achasse necessário, não era hábito escutar meu Senhor e por isso eu paguei caro, muitas vezes com o próprio sangue. Ainda hoje guardo um pouco desse lado rebelde e às vezes tenho dificuldade para respeitar a hierarquia até mesmo entre meus irmãos, não nos damos muito bem, as ideias são tão diversas ao ponto de poucos se entenderem, consenso? Esqueça. Muitas das coisas que hoje eu sei foram graças a longas conversas na madrugada e treinamento exaustivo. Tinha certeza – mesmo recém chegado - que estavam com a intenção de formar um assassino, ou coisa parecida, muito mais do que um poeta ou alguém erudito o suficiente para convencer a multidão que todos são uns inúteis miseráveis! Curiosamente o meu Senhor não gostava muito de armas de fogo e ensinou-me apenas o básico, disse que se eu quisesse aprender mais, eu teria que fazer sozinho, ele só gostava de fogo se fosse o incêndio da prefeitura ou da igreja mais próxima. Foi muito diferente com a tais armas brancas que ele dizia ser a essência de todo guerreiro: Ao decorrer dos anos, adquiri o conhecimento de lançar facas na testa de qualquer babaca até de olhos fechados! Gosto de usar pistolas apenas quando muito necessário, geralmente ando com facas e uma espada bem escondida nas costas sobre meu longo casaco. Quando passei pela primeira fase do meu treinamento eu aceitei fazer parte de algumas missões com alguns irmãos mais velhos e evoluídos, eu participava simbolicamente, porque eles resolviam tudo, não queriam que o recém chegado estragasse a festa, que na maioria das vezes significava a destruição de outdoors, roubo de documentos federais ou envenenar a água de igrejas, nós realmente tivemos fases de pura maldade, mas tudo era necessário quando se tem uma meta a alcançar e nós não temíamos ninguém, qualquer vampiro da cidade conhecia nosso pequeno grupo (Jean, meu mestre, e os irmãos: Carlos, Ismael e David). Eu ainda sou o motorista, - sou bom nisso, rápido e preciso. Com certeza não aprendi meus truques de direção na auto-escola – meus parceiros têm mais ação do que eu, mas a minha hora vai chegar, Jean tem fé no meu futuro.
Continua...

Um comentário:

Carolina Chakur disse...

Diiii...

Vou ler todos os textos com muito carinho.

De cara o que mais curti foi esse mas vou ver todos..rs

Beijinhos da Cá*