quarta-feira, 4 de junho de 2008

Albert Camus e o estrangeiro.

"Felizmente, algures entre o acaso e o mistério está a imaginação, a única coisa que protege a nossa liberdade, independentemente do fato de as pessoas continuarem a tentar reduzí-la ou matá-la completamente" Luis Buñuel


É extensa a bibliografia das Ciências Sociais que aborda a relação do ser humano com o mundo e toda causalidade envolvida. Podemos citar Michel Foucault, Max Weber, Giles Deleuze, entre outros pensadores que tentam desconstruir alguns discursos dogmáticos existentes em nossa sociedade. 'O estrangeiro' de Albert Camus, é um livro sem grandes frases que possam servir de citação, uma obra sem aquela obrigação de tratar cada argumento como verdade para poder compreende-lo.

A qualidade dessa obra camusiana é notável porque em apenas 126 páginas, pode dar conta de explicitar a ideologia do homem moderno, este ser apático, indiferente, comodista. Quando digo comodista eu não quero que pareça algo ruim, pois o que é cômodo a Marsault é viver sua vida com extrema lucidez existencial, aproveitar cada bom momento que lhe é apresentado e não dar tanta importância a grande parte dos assuntos que são relevantes para as outras pessoas. Este personagem é o símbolo de uma geração que compreende a brevidade da própria vida, sua superficialidade e falta de sentido fundamental de cada ato.

Marsault
vive sem grandes expectativas com relação à política, ciência ou clero. Ele sente essa desmistificação do seu mundo, sabe também que por trás das aparências existe apenas o nada, o indecifrável vazio. Ele se libertou dessa prisão, entretanto, a liberdade parece-lhe monstruosa, provoca-lhe muita angústia por saber que deve fazer escolhas a cada segundo, entre as mil possibilidades que se apresentam.

Ao matar um homem por motivo banal, torna-se evidente a carência moral e humanitária desse homem que em seu julgamento dá a impressão que a cada sentença que tentam lhe impor, quer gritar bem alto "Vocês não entendem! Vocês não entendem!". Camus nos mostra a fragilidade do Direito em compreender as razões de um crime e se é justo punir um ser Humano por atos que socialmente são super valorizados. Talvez com esse livro o autor tenha mostrado que a ação de Marsault não é algo isolado, pois a cultura do seu tempo e cada indivíduo que constitui a sociedade tem uma parte de culpa no crime que ele cometeu, como se fôssemos um único organismo e quando um indivíduo de nossa raça falha, nós temos que reconhecer responsabilidade nos erros alheios.

Ainda não li todos os livros desse escritor, porém, em nenhum dos que eu tive contato, pude perceber uma lição de vida, uma moral a ser seguida. Fiquei comovido por Marsault querer reviver novamente sua vida e ter relembrado com carinho de sua mãe, amigos e amantes. Talvez em suas últimas horas antes da morte ele tenha romantizado um pouco a existência a ponto de desejá-la novamente. E não é isso que realmente importa?

2 comentários:

Ani Cristina Bariquello disse...

"Fiquei comovido por Marsault querer reviver novamente sua vida e ter relembrado com carinho de sua mãe, amigos e amantes. Talvez em suas últimas horas antes da morte ele tenha romantizado um pouco a existência a ponto de desejá-la novamente. E não é isso que realmente importa?"

"Descubro, agora, por conseguinte, que a esperança não pode ser
evitada para sempre e que pode assaltar até aqueles que supunham estar livres
dela." [Albert Camus, em O mito de Sísifo]

E confesso que mais indignada que eu fiquei do que quando li esta frase foi como eu fiquei quando li a última frase do Mito de Sísifo, que eu não ousaria citar, pra não privar qualquer outra pessoa que ainda não tenha lido do mesmo sentimento.

O que acontece é estranho, paradoxo, o caralho, mas ainda assim faz sentido.

Assim como você, ainda não li todos os livros do Camus - mas lerei, e seja o que deus quiser.

É compreensível, porque seja lá o que mova Sísifo a mover uma pedra sobre a montanha mesmo sabendo que ela rolaria para baixo, eternamente. Ele nunca teria um recompensa, ele nunca sairia daquela condição, ele não tinha nada a perder, já estava no inferno, e ainda assim continuava. A mais perfeita ilustração do absurdo.

O sentimento que movia Sísifo era o mesmo que nos move, a natureza humana, o inconformismo diante das impossibilidades.

Queremos ser lúcidos e ao mesmo tempo queremos que surja, em algum momento, em algum lugar, uma luz.

Tanto que Marsault, na condição de homem absurdo, lúcido, indiferente... ainda assim no final ele penso na possibilidade de ser diferente.

No fundo, no fundo, nem Camus foi absurdo, talvez ele tenha sugerido a existência desta condição imaginando que seria a única forma de nunca sofrer.

A questão é decidir entre ser feliz e sofrer, ou sentir nada.

E por aí vai...

Adoro Paul Klee.

E antes de refrigerar minha mente quero ler os três que combinamos, não roube. ¬¬

Unknown disse...

"Felizmente, algures entre o acaso e o mistério está a imaginação, a única coisa que protege a nossa liberdade, independentemente do fato de as pessoas continuarem a tentar reduzí-la ou matá-la completamente" Luis Buñuel...uhm...lembro-me de Chaplin, quando o mesmo coloca que:" Com o uso da palavra não há mais lugar para a imaginação."engraçado pensar como as pessoas não prestam atenção à imaginação, nosso único momento de contato com os sonhos enquanto estamos acordados...bem vai entender...=)