“Um dia apenas o "porque" desponta e tudo começa com esse cansaço tingido de espanto. "Começa", isso é importante. O cansaço está no final dos atos de uma vida mecânica, mas inaugura ao mesmo tempo o movimento da consciência. Ele a desperta e desafia a continuação. A continuação é o retorno inconsciente à mesma trama ou o despertar definitivo. No extremo do despertar vem, com o tempo, a conseqüência: suicídio ou restabelecimento. Em si, o cansaço tem alguma coisa de desanimador.”
[CAMUS; Albert – O Mito de Sísifo]
Vocês me roubaram a juventude, classificando como fase a minha revolta e autenticidade. Vocês querem que eu me sinta feliz por estar incluído num jogo que me foi empurrado, e que entrei gritando, rejeitando, desde o primeiro segundo. Vocês me tratam como boi, categorizam a minha existência com essa infinidades de etiquetas e marcas. "Sei" que sou Homem, que faço parte de uma determinada classe social, tenho esse ou aquele comportamento por causa das roupas que uso, e dos lugares que frequento. Vocês querem que eu acredite que este sapato expressa a minha confiança, dizemque essa cor de camisa representa o meu grau de virilidade. Vivo num mundo que vocês criaram, e eu não sou artista, nem estamos na renascença. Não posso ser louco e andar pelas ruas livremente.
Eu, assim como vocês, participo desse jogo da seriedade, que mascara a coragem de qualquer pessoa que sente o absurdo da própria condição existencial, e que poderia ser diferente, eu disse ser, não ter. Não acho que esse mundo tem concerto, e que pode ser melhor, eu não tenho com o que comparar, sou cria de vocês, e desde que me entendo por gente, as coisas foram sempre assim em todos esses lugares que me sinto verdadeiramente estrangeiro.
As soluções que são necessárias para a sustentabilidade da minha existência, não virão se eu matar todos os burgueses e deixar apenas alguns milhares de comunistas no mundo, até porque, eu odeio comunistas, pra mim, estamos realmente vivendo num comunismo estético, comportamental, ideológico. A ditadura está aí, e eu sou um proletário de merda, igualzinho ao filho da puta do meu vizinho. Estou alienado não apenas do que produzo, mas de mim mesmo, do mundo que vocês brilhantemente inventaram, e que por mais que eu, ele, ela, falemos mal dessa torre de Babel, ainda assim nós apaixonadamente louvamos essa civilização, essa cidade, essa teia de aranha, o pedaço de céu entre os prédios, o cheiro dos mendigos, os preconceitos, tudo!
Nesse país existem centenas de aldeias indigenas, dezenas de tipos de MST. Eu poderia ter comida de graça, casa para morar, criar meus filhos, e trabalhar no máximo quatro horas por dia, para depois dançar o quanto eu quisesse! Nada farei nada disso. Prefiro ficar aqui. Absurdo, não acham? Eu odeio o sistema, eu amo o sistema! Vocês aí sentados, vocês legitimam essa violência, eu ajudo vocês! 1984 é 2008, você é brother, ela é brother, você me controla, eu controlo você, eu sou o sistema, eu sou o grande irmão. Ah! Não! Me soltem, eu não quero ir! Me tirem daqui! Canalhas, seus merdas, perdão! Eu aceito!
"Você falhou"